20 de fevereiro de 2013

Gols antes do adeus: Gérson dribla doença e vira símbolo do Inter de 92

Toda conquista vem com superação. O título do Inter na Copa do Brasil de 1992 não seria diferente. Gérson da Silva foi o camisa 9 que encantou os colorados e se transformou no grande expoente da conquista, artilheiro da competição com nove gols. Para ajudar o time, todavia, precisou passar por outro obstáculo além dos adversários: sua saúde.
Antes de um treinamento, Antônio Lopes foi chamado pelo então diretor de futebol Romeu Masiero. O assunto? O estado clínico de Gérson. O jogador tinha passado por um exame e havia sido detectada uma doença. Até hoje, a história é controversa. A família nunca admitiu, mas, em abril de 1992, o então diretor de futebol colorado, Romeu Masiero, disse que o jogador estava com Aids, que se propagava e atormentava o mundo no início da década de 90 - inclusive, essa é a versão que aparece no site oficial do clube. Na época, o camisa 9 disse que estava com caxumba. 

Gérson morreu no dia 17 de maio de 1994, vítima de parada cardíaca, após passar dois meses internado no Hospital Santo Amaro, no Guarujá, em São Paulo, por conta de um tumor no cérebro. A reportagem do GLOBOESPORTE.COM procurou os familiares do jogador, mas não conseguiu contato.
O tema Aids nos gabinetes causava pânico, porque não se sabia o que ocorreria com o goleador. Em vez de afastá-lo do grupo, o treinador tomou à frente e o manteve entre os titulares. Apostou na qualidade do "Nego Gérson", como era carinhosamente chamado pelos torcedores. Lembrou Magic Johnson, astro dos Los Angeles Lakers, da NBA, que revelou em 1991 ser portador do HIV - um ano depois, ajudaria os Estados Unidos na conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Barcelona.
- Ia comandar um treino normal. Antes, tomei ciência da doença do Gérson. Foi uma turbulência muito grande. Estava todo mundo desesperado, o próprio presidente (José) Azmus. Procurei tranquilizar. Dei o exemplo do Magic Johnson que também enfrentou o problema e jogou. Disse que não teria problema. Ele fez tratamento, seguiu jogando tranquilo e foi o goleador. Ajudou-nos muito. Foi o grande baluarte do título.
Gérson, centroavante do Inter, contra o Grêmio na Copa do Brasil de 1992 (Foto: Valdir Friolin/Agência RBS)Gérson contra o Grêmio na Copa do Brasil de 1992 (Foto: Valdir Friolin/Agência RBS)
Se Lopes e a direção sabiam, o mesmo não se pode dizer dos então companheiros do camisa 9. Mesmo os mais íntimos garantem que nunca foram informados pelo clube ou pelo centroavante que estava doente.
Maurício, com quem formou uma dupla infernal no ataque, responsável por 11 dos 20 gols da equipe no torneio, comentou sobre o sucesso da parceria. Diz que os treinos os deixaram afinados, mas que o faro de gols e o posicionamento do amigo foram fundamentais para o êxito, que ainda rende homenagens:
- A gente não sabia da doença. Ele sofreu sozinho. O Gérson tinha uma técnica fantástica. Quando eu ia para a linha de fundo, ele se posicionava na primeira trave. Quando eu chegava perto da área, ele ia para a segunda. Ele chutava bem com as duas pernas, cabeceava. Era completo.
Se Maurício e Gérson resolviam na frente, muito se devia pela visão de Marquinhos. O camisa 10 era o pensador do time, quem buscava deixar o colega cara a cara com o goleiro para balançar as redes e fazer a festa dos colorados.
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as histórias do título da Copa do Brasil do Inter, em uma série
de reportagens especiais
E Marquinhos era amigo de longa data do centroavante. Já tinham sido companheiros no Atlético-MG. No reencontro no Inter, o entrosamento permaneceu e se lapidou. O título da Copa do Brasil tem muito da dupla. Três gols de Gérson saíram dos passes do meia. Um - na goleada por 4 a 0 sobre o Corinthians no Pacaembu - foi de pênalti sofrido por Marquinhos, que o artilheiro converteu. Mas ele também desconhecia que o amigo não estava na plenitude da saúde:
- O Gérson nunca assumiu o problema. Ele jogou a Copa do Brasil normalmente e foi o atleta mais importante, fazendo muitos gols.
Além de um dos expoentes técnicos, o centroavante era a voz do grupo dentro e fora de campo. Capitão e principal liderança do vestiário, era quem orientava e buscava acalmar o time durante as partidas e o interlocutor dos companheiros para discutir os assuntos com direção e comissão técnica.
- Ninguém que sabia que ele estava doente. Só soubemos em 93. Ele era nosso capitão, o líder da equipe. Assumia as coisas dentro de campo, falavam, brigava e orientava. Fora de campo, era quem tomava a palavra para falar com direção e treinador. Ele transmitia o que o grupo queria - confirma o zagueiro Pinga.
A gente não sabia da doença. Ele sofreu sozinho. O Gérson tinha uma técnica fantástica. Chutava bem com as duas pernas, cabeceava. Era completo"
Mauricio, companheiro de
ataque de Gérson em 1992
Nem mesmo aquele com quem dividia carona foi informado. Gato Fernandez, goleiro do time, também diz que o colega evitou explicitar o momento pelo qual passava:
- A gente morava perto e muitas vezes ia junto para os treinos, mas ele nunca me comentou nada.
A discrição de Gérson terminaria em 1993. Em fevereiro daquele ano, marcou seu último gol, em um amistoso contra um combinado de Capão da Canoa. Um mês depois, disputou a partida contra o Nacional de Medellín, mas não suportou até o final. Sem render o mesmo que na Copa do Brasil, chegou a ser vaiado no intervalo, como lembra reportagem de Zero Hora. Acabou afastado do grupo e seu estado de saúde piorou, sendo internado no Hospital Conceição com um edema cerebral. Em setembro, recebeu passe livre. Em março de 1994, já em São Paulo, foi internado com neurotoxoplasmose e, dois meses depois, morreu.
A vida interrompida aos 28 anos não diminuiu em nada seus feitos no futebol. Principalmente pelo Inter. O "Nego Gérson" estava abençoado, como disse Maurício, e colocou os gaúchos como os donos da Copa do Brasil de 92.

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